A entrevista de hoje é com Fábio Cardoso, nutricionista no Centro Hospitalar Universitário de São João e formador da dieta low FODMAP na Associação Portuguesa de Nutrição.
Este artigo insere-se na temática de partilha de experiências de pacientes e profissionais de saúde com a dieta low FODMAP (ou restrita em FODMAP).
Após o meu testemunho como paciente, o convidado de hoje é o nutricionista Fábio Cardoso (CP 3505N). Seguem em baixo suas respostas.
O meu primeiro contacto com a dieta restrita em FODMAP (Low FODMAP Diet) ocorreu em 2015, embora a dieta já existisse desde 2004. Foi no âmbito do meu estágio académico de conclusão da Licenciatura em Ciências da Nutrição pela FCNAUP, e realizado no Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga E.P.E. (CHEDV). Surgiu no contexto de poder vir a ser uma solução de terapêutica alimentar para o controlo de sintomas gastrointestinais funcionais em doentes com Síndrome do Intestino Irritável (SII) ou com outras alterações de motilidade gastrointestinal, seguidos em consulta externa de Nutrição.
O tema despertou-me rapidamente interesse. Não só por ser algo até à altura desconhecido para mim (e para a grande maioria das pessoas e profissionais de saúde), mas também pela evidência científica naquela data apontar para a eficácia desta abordagem alimentar na resolução do quadro sintomatológico gastrointestinal funcional de uma grande percentagem dos participantes dos estudos científicos nos quais foi aplicada. Ora, mediante esta evidência, o próximo passo foi testar na prática se o mesmo se verificaria com os nossos doentes e qual seria a aceitação e resposta sintomatológica dos mesmos à dieta restrita em FODMAP. Visto que a aplicação desta dieta é um processo complexo, baseando-se em fases específicas indissociáveis e envolvendo um grande número de variáveis (por exemplo: monitorização de sintomas, restrição de alimentos específicos em períodos bem definidos, controlo de porções de alimentos consumidos, reintrodução de alimentos específicos, entre outros), criei um protocolo de forma a guiar e estandardizar a sua implementação e ser seguido pelos vários elementos do Serviço de Nutrição nos casos clínicos que o exigissem. Uns anos mais tarde, em 2017 ingressei no Mestrado em Nutrição Clínica pela FCANUP e no ano seguinte fiz um estágio voluntário no Serviço de Gastrenterologia do Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho (CHVNG/E). Nele tive a oportunidade de acompanhar em exclusivo doentes com SII e investigar/aplicar as várias fases da dieta, tendo produzido a minha dissertação – Dieta Restrita em FODMAP: Eficácia no Controlo da Síndrome do Intestino Irritável (SII). Desde então aplico a dieta na minha prática clínica, sempre que se justifique.
Atualmente existe evidência clara para a aplicação de uma dieta restrita em FODMAP no controle da Síndrome do Intestino Irritável (SII) e alguma evidência para a sua aplicação no alívio da sintomatologia gastrointestinal funcional nas Doenças Inflamatórias Intestinais (DII). Paralelemente, aparenta também ter benefícios nos casos de Fibromialgia, Endometriose e diarreia, distensão e/ou obstipação funcional, sem existir à data ainda uma evidência científica clara nestes casos. No entanto, importa ressalvar que os indivíduos que sofram dessa sintomatologia, não deverão seguir esta dieta sem uma avaliação e acompanhamento regular por um nutricionista habilitado, dado o risco de ocorrência de desequilíbrios nutricionais aquando da inexistência de corretas substituições e conjugações de alimentos. Por outro lado, esta dieta, pelas suas características restritivas e proibição do consumo de uma grande variedade de alimentos, poderá levar a uma redução no aporte energético e/ou no próprio aporte de macro e micronutrientes como vitaminas e minerais. Assim, atualmente, encontra-se desaconselhada em indivíduos que sofram de algum transtorno do comportamento alimentar, se encontrem numa situação de risco nutricional e/ou desnutridos, grávidas, crianças muito jovens e em indivíduos com algum comprometimento cognitivo que impeça a compreensão e uma correta aplicação desta metodologia.
Até à data, com a Dieta Restrita em FODMAP tenho tido resultados muito satisfatórios nos meus doentes no que diz respeito à melhoria dos seus sintomas gastrointestinais funcionais e consequente qualidade de vida. Obviamente que existem doentes com melhores respostas a esta dieta que outros, pois não existem dois organismos iguais. No entanto, o principal fator para essa discrepância deve-se maioritariamente ainda a fatores relacionados com o rigor e o nível de adesão ao cumprimento da dieta do que propriamente a aspetos fisiológicos.
Esta é uma questão difícil de responder de forma objetiva uma vez que, tanto quanto tenho conhecimento, não existem nenhuns dados a nível nacional caracterizando o nível de conhecimento dos profissionais de saúde (e também população geral) sobre a dieta. Contudo, com base na minha experiência do dia-a-dia parece-me que atualmente existe um maior conhecimento entre profissionais de saúde sobre a Dieta Restrita em FODMAP face àquilo que existia em 2015 (momento em que tive o primeiro contacto com o conceito). Embora por vezes não saibam ao certo o que é/como funciona, sabem que esta dieta existe, já leram algo sobre a mesma ou conhecem alguém que a esteja a seguir e sabem de uma forma geral que esta dieta poderá ser útil nos casos de distensão e dor abdominal ou diarreias. Pelo que é cada vez mais frequente o pedido de apoio e o encaminhamento de doentes com sintomatologia gastrointestinal funcional por parte dos diferentes profissionais de saúde.
Atualmente, a aplicação de uma dieta restrita em FODMAP deverá ser iniciada no domicílio após o diagnóstico de SII (realizado no âmbito de internamento clínico ou consulta médica externa) sendo, no entanto, plausível que também possa ser aplicada no contexto de internamento. Contudo, a possibilidade de fornecimento desta dieta em contexto de internamento é atualmente ainda algo muito difícil de concretizar, dada a sua complexidade, a inexistência de recursos e as modificações de procedimentos que isso envolveria. Não obstante, no futuro penso ser algo atingível e é para lá que devemos caminhar.
de Nutrição (APN). Como é que funciona o curso e com que frequência é realizado?
A minha experiência como formador na APN tem sido muito gratificante e enriquecedora pois, não só tenho a possibilidade de transmitir os meus conhecimentos teórico-práticos aos meus colegas, como também de aprender com eles mediante as suas experiências, tornando-se assim, numa partilha mútua de conhecimentos. A primeira edição do curso aconteceu em outubro de 2019, contando já com 8 edições e realizando-se, em média, 2 a 3 edições anuais (cuja calendarização é definida pela APN). O interesse pelo tema tem vindo a ser tão grande que foi necessário alargar a carga horária do curso inicialmente definida de 8h para as atuais 12h, permitindo assim abordar mais tópicos sobre esta temática, discutir um maior número de casos clínicos e tirar todas as dúvidas que vão surgindo. Esta formação iniciou-se em modalidade de ensino presencial, contudo dado o contexto pandémico que infelizmente experienciamos houve uma adaptação deste ao formato online, no qual se mantém atualmente, até que seja possível retomar os moldes originais. Esta formação, sendo de caráter técnico-profissional, destina-se em exclusivo a nutricionistas.
É fundamental, pois até há alguns anos atrás não fazia parte dos programas letivos da formação especifica em Ciências da Nutrição, logo não é uma temática abordada e/ou conhecida por todos os nutricionistas no momento da sua formação académica. Adicionalmente, sendo a dieta restrita em FODMAP uma metodologia complexa, cuja eficácia depende diretamente da qualidade da sua aplicação, justifica a necessidade da procura por formação especifica na área por parte dos colegas.
Quero terminar agradecendo o convite e a oportunidade de poder partilhar um pouco do meu percurso profissional e contacto com esta terapêutica alimentar. A todos os leitores que suspeitem sofrer de SII e/ou que possuam sintomas gastrointestinais funcionais, com importante impacto na vossa qualidade de vida, primeiro, encorajo-vos a procurarem ajuda clínica de um gastrenterologista com vista ao estabelecimento de um diagnóstico médico e ao despiste de outras possíveis patologias. Em segundo lugar, a iniciarem seguimento por um nutricionista com experiência na área, de forma a auxiliar-vos na correta implementação e acompanhamento personalizado da dieta, individualizando-a e ajustando-a às vossas necessidades, pois só assim esta será verdadeiramente adequada e eficaz.
Obrigada!
Leocádia Leite
Vivo em Ponta Delgada S.Miguel Açores sofro de SII e fibromialgia, diagnosticado pelo Professor Luis Abreu Novais ( Lisboa) ,estive internada em Ponta Delgada S.Miguel Açores .A comida no hospital era horrível. Já fui seguida por nutricionista mas tinha pouca experiência. Estou em crise desde Janeiro e preciso de ajuda para iniciar a Dieta low foodmap.
Joana
Olá Leocádia. Sinto muito saber que está há tanto tempo em crise. Como disse o Dr. Fábio, o ideial é ser acompanhada por um nutricionista com formação na dieta. No grupo de facebook low FODMAP Portugal Portugal encontrará uma lista de nutricionistas com formação, que dão consultas online e presenciais.
Cláudia Cardoso
O meu problema é o fermento, seja seco, seja fresco com glúten ou sem. Passo mal do intestino…
Faço os pães como se fossem bolos…..
Joana
Olá Cláudia! Já experimentou pães de fermentação lenta? Há alguns que podemos tolerar. Veja aqui algumas sugestões de pães low FODMAP